Um novo escândalo na praça. Virão outros
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Igo Estrela/Metrópoles
Por que as advogadas de Flávio Bolsonaro, o filho Zero Um do então presidente da República, foram ao Palácio do Planalto para reunirem-se no final de agosto de 2020 com o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e o chefe da Agência Brasileira de Inteligência, delegado Alexandre Ramagem?
Uma das advogadas contou à GloboNews que foram apresentar a Heleno e a Ramagem sua tese de defesa para livrar Flávio da acusação de ter embolsado parte dos salários pagos a funcionários do seu gabinete à época em que ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. O caso ficou conhecido pelo nome de “rachadinha”.
Mas o que o ministro e o delegado tinham a ver com isso? E por que foram recebidas por eles, e pelo próprio Bolsonaro, no gabinete do presidente da República no terceiro andar do palácio? Se o desejo do pai era apenas inteirar-se da situação do filho, ele poderia tê-las recebido no Palácio da Alvorada, onde morava.
Natural que um pai se preocupe com a sorte do seu filho. Natural que esse pai, locatório eventual de um palácio, as recepcionasse ali para uma conversa privada. Mas ele o fez no seu gabinete de trabalho, na presença de funcionários do governo, e esse gabinete não era qualquer um, mas o do presidente da República.
Não bastasse a anomalia, Bolsonaro perguntou às advogadas o que poderia fazer para ajudá-las na tarefa de defesa do seu filho. E sugeriu que procurassem outros funcionários do governo, além do ministro e do delegado ali presentes. Citou o secretário da Receita Federal e responsáveis por empresas de processamento de dados.
Foi o que as advogadas fizeram. Com o secretário da Receita Federal, reuniram-se pelo menos duas vezes – aonde? De novo no Palácio do Planalto e na sede da Receita. Com os demais servidores públicos, não se sabe ainda quantas vezes. E com quem mais? Também não se sabe, mas a Polícia Federal investiga.
No mínimo, Bolsonaro prevaricou. Prevaricação é um crime funcional praticado por funcionário público contra a Administração Pública. A prevaricação consiste em retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente ato de ofício. Parte da máquina do governo foi acionada para proteger Flávio.
Se, como diz uma das advogadas, elas queriam denunciar uma quadrilha criminosa que agia dentro da Receita Federal e que poderia prejudicar a defesa de Flávio, por que não foram bater na porta de instâncias que existem justamente para isso? O Ministério Público Federal, por exemplo. A Polícia Federal, por exemplo.
A disposição de Bolsonaro para mandar às favas todos os escrúpulos, e não somente eles, mas também as normas que regem a administração pública, já fora escancarada na reunião ministerial de 22 de abril daquele mesmo ano. Naquela ocasião, espumando de raiva e aos gritos, ele não poderia ter sido mais claro:
“Eu não vou esperar foder a minha família toda, ou amigos, porque não posso trocar alguém na ponta da linha [da Polícia Federal]. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe dele? Troca o ministro”.
Bolsonaro queria pôr um homem de sua confiança na superintendência da Polícia Federal no Rio. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, se opunha. A Polícia Federal não é um órgão do governo, mas do Estado. Sua independência tem que ser preservada. Então, Bolsonaro trocou o ministro da Justiça.
Quis nomear para o lugar de Moro o delegado Ramagem, que cuidou de sua segurança depois da facada que ele levou em Juiz de Fora e era amigo dos seus filhos. A nomeação foi cancelada por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Aí começou a birra de Bolsonaro com o ministro.
Ramagem, hoje, será interrogado no Rio pela Polícia Federal. É suspeito de ter montado na ABIN um esquema paralelo para fazer todas as vontades de Bolsonaro – entre elas, espionar adversários dele e até aliados e poupar de embaraços a primeira família presidencial da história do Brasil.