Cidiana Regina de Pellegrin
Especialistas da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia orientam sobre cuidados e como prevenir acidentes
Engasgo é uma das emergências de saúde mais comuns envolvendo crianças. Esta ocorrência pode colocar a vida em risco e trazer consequências, como a asfixia, ou seja, a interrupção da passagem do ar até os pulmões, elevando a chance de uma parada respiratória.
Segundo a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), as crianças, especialmente os bebês, estão entre os grupos mais vulneráveis a sofrer com o problema, conforme o alerta feito por meio de uma nota técnica com recomendações sobre a atenção ao engasgo lançada esse ano.
A organização destaca que, segundo o Ministério da Saúde, entre 2020 e 2021, dos 1.616 óbitos registrados na faixa etária de 0 a 14 anos, tendo como motivo causas externas, a sufocação ou obstrução das vias aéreas representam quase 80% das mortes na idade de 0 e 4 anos.
Especialistas da entidade médica esclarecem as principais causas de engasgo no público infantil, como os pais e cuidadores podem prevenir esses incidentes ou lidar com uma emergência de engasgo.
Alimentos sólidos
É frequente o engasgo associado à alimentação, segundo especialistas. Conforme um estudo médico que analisou dados disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), de 2009 a 2019, o número de óbitos por ingestão de alimentos causando obstrução do trato respiratório correspondeu a 1.817 casos, ou seja, 84,6% do total de acidentes fatais por engasgo.
Carnes, salsichas, grãos, amendoins, pipocas, feijão, milho, nozes, uvas e tomate cereja inteiros, cenoura crua em pedaços grandes, balas, chicletes, são alguns alimentos perigosos para as crianças pequenas.
“Os alimentos devem ser apropriados para a idade, até que a mastigação se desenvolva, devem ser oferecidos apenas alimentos cortados em pedaços, evitando produtos grandes, duros e redondos, que necessitam de uma mastigação mais elaborada. O risco de aspiração existe, pois, elas engolem sem mastigar,” alerta a especialista da ABORL-CCF, Eliézia Helena de Lima Alvarenga.
A médica destaca que a supervisão durante as refeições deve ser constante e os pais e responsáveis precisam ensinar hábitos alimentares seguros, como mastigar bem e comer devagar. Além disso, sempre oferecer produtos que sejam apropriados para a idade.
Para ela, também é importante desenvolver o hábito de se alimentar sentado e sem distrações no ambiente. “Uma risada, brincadeira ou susto pode causar incoordenação da deglutição e o risco de engasgo é alto nessas situações. Além disso, elas também não devem ser alimentadas enquanto estão em movimento, por exemplo, dentro do carro, quando brincam, pulam e correm. E nada de comer deitado, pois isso também facilita esse tipo de acidente”, completa.
Líquidos
Não é incomum, bebês engasgarem com líquidos, seja com o leite materno nos primeiros meses de vida ou na fase de introdução alimentar, com sucos e água, quando estão se adaptando a uma nova realidade.
“O engasgo pode ocorrer pelo excesso de leite e pelo fato de o bebê estar aprendendo a mamar. Além disso, se ele estiver com muita fome ou não fizer a pega correta de todo o mamilo a deglutição também pode ficar desorganizada. A mãe deve ficar atenta se a criança fica ofegante na amamentação, se ela se afasta com frequência do peito ou tenta segurar o mamilo durante a mamada”, afirma a médica, membro da ABORL-CCF, Gisele Hennemann.
Ao terminar a amamentação, os médicos orientam aguardar cerca de 30 minutos antes de deitar o bebê, independentemente se ele já tenha arrotado. No caso de água, suco ou outro líquido em mamadeira, a recomendação é que a ingestão não seja feita em posição deitada.
Pequenos objetos
Na infância, principalmente entre indivíduos de até 2 anos, é esperado que as crianças levem objetos à boca, pois essa parte do corpo é usada por elas como uma forma de explorarem o mundo.
Brinquedos pequenos ou partes desses itens podem ser engolidos acidentalmente, assim como outros elementos expostos no ambiente, como botões, moedas, tampas de caneta, miçangas, pérolas, bolas de gude e brincos. Ao serem ingeridos, esses produtos podem obstruir as vias respiratórias e causar asfixia.
“Deve-se ter cuidado quando existir compartilhamento de brinquedos entre irmãos e colegas de diferentes idades. Os responsáveis também devem verificar regularmente os brinquedos para garantir que não tenham partes soltas ou quebradas. Supervisionar o ambiente em que as crianças estão é essencial para evitar acidentes, seja em casa ou ambientes externos”, destaca a médica da ABORL-CCF, Mônica Elisabeth Simons Guerra.
Balões e sacolas plásticas
Muito comum nas festas infantis, os balões de látex também podem representar perigo se mantidos em casa. Quando vazios ou estourados, podem ser levados à boca e provocar engasgos e, consequentemente, aumentar o risco de uma parada respiratória. Por isso, a recomendação é não levar balões para casa.
Medicação oral
A ingestão de comprimidos também merece atenção especial. Devido ao tamanho das pílulas, as crianças podem ter dificuldade de engoli-las, ficarem nervosas, e, com isso, o medicamento pode ficar preso na garganta, obstruindo a passagem de ar.
De acordo com a otorrinolaringologista Eliézia, há técnicas para ensinar a criança a ingerir os comprimidos. Os pais podem começar com a medicação em menor tamanho e mostrar que a criança é capaz de tomá-la, comparando sempre com os alimentos que ela come.
“Eles não devem enfiar o remédio goela abaixo. Se a dificuldade persistir, a medicação pode ser oferecida na colher, com pouco de gelatina incolor ou geleia. Um método eficiente para conseguir engoli-la é posicionar o queixo para baixo com a pílula na boca e fazer uma deglutição forte. A posição facilita a medicação descer, diminuindo a sensação de corpo estranho parado na garganta e protege a via aérea”, esclarece Eliézia.
Alguns indivíduos podem levar a dificuldade de ingerir comprimidos ao longo da vida. Por isso, durante a consulta médica o paciente pode pedir orientações ao médico de como superar essa dificuldade, em alguns casos, o profissional pode encaminhar o paciente para uma terapia da deglutição com o fonoaudiólogo especializado.
O que fazer em caso de engasgo
Fique atento aos sinais. A criança pode não reagir com choro ou tosse, que são os principais indicadores de engasgo. Ela pode apresentar uma coloração azulada nos lábios e não conseguir emitir sons, nem ficar agitada.
Ter conhecimento sobre primeiros socorros é outra medida que irá auxiliar caso alguma emergência ocorra. “Diante de engasgo é sempre importante manter a calma para ajudar a vítima. O serviço de emergência pelo 192 ou 193 também pode ser acionado para assistência profissional e enquanto o socorro não chega, o responsável pode aplicar as manobras de desengasgo para auxiliar a criança”, explica a médica Eliézia.
A ABORL-CCF destaca que a Manobra Heimlich deve ser utilizada para remover alimento ou corpo estranho das vias aéreas para crianças maiores de 1 ano, que pode ser realizada por qualquer pessoa treinada, não há necessidade de ser um profissional de saúde. Para aplicar a técnica, posicione-se por trás da criança, ajoelhe-se e abrace-a ao redor do abdômen. Coloque uma mão em punho fechado na “boca do estômago” deixando o dorso da mão para cima e com a outra mão aberta aperte a primeira. Faça compressões para dentro e para cima como se fosse levantar o indivíduo até ele expelir o corpo estranho.
Para bebês menores de um ano, o método é diferente. De acordo com a ABORL-CCF é preciso apoiar a criança no antebraço ou na coxa, de costas para cima e com cabeça voltada para baixo (ao nível inferior ao tórax). O queixo do bebê deve estar envolvido com os dedos posicionados como se fosse um gancho e na sequência o socorrista deve fazer cinco batidas com a mão nas costas, intercalando com cinco compressões frontais, que devem ser realizadas com dois dedos entre os mamilos. O processo deve ser repetido até a desobstrução. O elemento do engasgo deve retornar à boca, por isso, o socorrista deve retirá-lo delicadamente.