Plagiando nosso poeta mor, Carlos Drummond de Andrade, dele tomo emprestado: Alguns anos vivi na antiga Fábrica de Tecidos da Gabiroba, principalmente nasci na Fábrica de Tecidos da Gabiroba, por isso sou uma pessoa, nunca triste, nem orgulhoso: de manias exclusivas de um gabirobense.
Um alheamento característico que na vida me tornei um comunicador. A vontade de continuar a viver e de amar vem da Gabiroba onde éramos felizes e não sabíamos. Da Gabiroba trouxe lembranças eternas de minhas professoras: dona Emília Diniz, Isabel Costa, Altair Viana e Lena Viana.
Graças a Deus, dona Lena Viana ainda é viva e goza de excelente estado de saúde. As primeiras letras e a escrever tiveram início com dona Isabel Costa e meu pai, Seth Alves, este que como castigo por minhas estripulias recompensou-me forçando-me a ler bons livros e a escrever com letra legível. Dizia-me ele: “Você escreve é para quem vai ler e não para você mesmo”! Papai era um homem culto para seu tempo: como assinante, lia o Estado de Minas todos os dias; ouvia Rádio, principalmente, a Rádio Nacional e a Mayrink Veiga, ambas do Rio de Janeiro e, às vezes, a Rádio Clube do Brasil. Existia, também a antiga Rádio Mineira, está de pouco alcance. Pipocando sempre dava para ouvi-la mesmo que de forma razoável.
A iluminação de toada a Fábrica da Gabiroba e nas casas dos empregados foi concretizada por papai que também era eletricista e Almoxarife, serviços estes a convite de dr. Dermeval Camilo de Oliveira Lage, então, o presidente da Sociedade Anônima, na época. Com a aposentadoria de dr. Dermeval, a Fábrica foi administrada por seus filhos, Abel Camilo de Oliveira Lage e bem mais tarde, juntamente com o irmão Afonso Camilo de Oliveira Lage que comandaram a empresa até esta ser vendida para um Grupo Empresarial de Belo Horizonte, grupo este que tinha a finalidade profícua de, mais hora, menos hora, encerrar a atividade industrial na cidade, fato este que, veio a acontecer menos de dois anos depois, isto é, em 4 de janeiro de 1964. Quanto doeu essa decisão de acabar com as Fábricas. Itabira tinha duas Fábricas de Tecidos e hoje em dia não tem mais nada. Gente quanto doeu em todos nós itabiranos o fechamento dessas Fábricas.
Papai trabalhou por 35 anos na Fábrica. Após o fechamento desta, sem emprego e perspectivas de vida começou a consertar guarda-chuvas e sombrinhas de pessoas que lhe procuravam para tal finalidade. Assim viveu até sua morte em 9 de janeiro de 1979; dois anos depois da morte de papai, mamãe o acompanhou para a eternidade. Aí, gente doeu muito mais. Mamãe era o esteio da família.
Assim foi escrito e assim foi feito e as Fábricas tiveram seu fim melancólico na cidade. Cerca de 700 empregados – homens e mulheres na Gabiroba e cerca de 500 empregados na Fábrica da Pedreira viram os seus futuros ruírem. Todos os empregados ficaram a ver navios. Nada recebera de indenizações. Quando doeu essas decisões drásticas. Itabira tinha duas Fábricas de Tecidos e daí em diante não tem mais nada. Papai sem emprego e perspectivas de um novo trabalho começou, dentro de casa a fazer papagaios, ou pipas e vendê-los às crianças do seu tempo. Além disso, consertava sombrinhas e guarda-chuvas – velhos ou novos – cujo serviço, na maioria das vezes era gratuito. Também doava o que fazia até o final de sua vida. Morreu aos 79 anos de um enfisema pulmonar.
Quando partiu para a eternidade deixou-nos uma lista contendo os nomes e endereços e o telefone de cada um dos clientes para que fizéssemos a entrega a seus legítimos proprietários. Com a morte de papai, é claro que tivemos um abalo em nossa família, mas o tempo cuidou de cicatrizar a ferida. Dois anos depois da morte de papai, mamãe o acompanhou para a eternidade. Amigos e ouvintes a coisa mais difícil na vida é tentar escrever sobre si mesmo. A sabedoria não está em quem tem respostas prontas na mão, mas quem escuta com os olhos da compreensão. O caminho não é de seus caminhantes, mas dos que através dele fazem o seu caminho. Penem nisso. Nossas obras nos acompanham de longe, o que fomos faz com que sejamos o que somos.